A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ilegalidade das provas obtidas por meio de interceptações telefônicas em uma força-tarefa deflagrada para investigar uma organização criminosa envolvida em crimes contra a administração pública no município de Ribeirão Preto (SP).
Para o colegiado, a autorização judicial para as interceptações não apresentou fundamentação concreta nem demonstrou por que seria indispensável afastar o direito dos investigados à intimidade.
A decisão se aplica a todos os processos derivados da operação que tenham se baseado em provas colhidas nas interceptações, mas o juiz de primeiro grau deverá analisar, em cada caso, os efeitos da declaração de nulidade.
Ao acolher o pedido da defesa, o relator do recurso em Habeas Corpus interposto por um dos réus, ministro Rogerio Schietti Cruz, manifestou sua “profunda tristeza” por ter de anular provas em um caso de grande complexidade e gravidade, especialmente porque a decisão implica o reconhecimento de deficiência na atuação judicial.
“É importante registrar isso, porque criticamos muitas vezes a polícia e o Ministério Público, mas também devemos reconhecer as falhas do próprio Poder Judiciário”, afirmou.
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que a decisão do juízo de primeiro grau que deferiu a interceptação dos telefones dos investigados e as suas prorrogações, requeridas pelo Ministério Público, foram válidas, o que levou a defesa a entrar com o recurso.
No julgamento do recurso, o ministro Rogerio Schietti destacou que a decisão que quebrou o sigilo telefônico não fez nenhuma referência aos fatos apresentados no requerimento do Ministério Público, nem indicou as razões pelas quais o juízo considerava imprescindível, para o prosseguimento das investigações, a medida invasiva da privacidade.
O ministro também observou que nem mesmo os nomes dos investigados foram mencionados na decisão inicial que autorizou a interceptação, tampouco nas prorrogações concedidas. Conforme assinalou Schietti, o juízo apenas se reportou “às folhas dos autos em que consta essa representação”.
De acordo com o relator, a 6ªTurma entende que o juiz pode apoiar sua fundamentação em argumentos alheios, mas, em tais casos, deve pelo menos reproduzi-los e explicitar que os ratifica.
O ministro apontou que o direito fundamental à intimidade de comunicação, contido no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, não é absoluto e pode ser afastado excepcionalmente.
Schietti explicou que a medida, determinada por ordem judicial devidamente fundamentada, visa subsidiar investigação criminal ou instrução processual penal, devendo ser concedida quando os meios tradicionais de apuração não forem capazes de produzir provas consistentes, e pode, como decidiu a 6ª Turma em julgamento recente, ser prorrogada tantas vezes quantas forem necessárias, contanto que haja a indispensável fundamentação.
Segundo Rogerio Schietti, após descartar todas as provas viciadas pela ilicitude, o juízo de primeiro grau deverá identificar se há outros elementos probatórios que justifiquem a continuidade do processo.
“Não há como aferir se a declaração de nulidade das interceptações macula por completo o processo penal, ou se há provas autônomas que possam configurar justa causa para sustentar o feito apesar da ilicitude reconhecida”, concluiu o ministro. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2022, 7h31